terça-feira, 25 de maio de 2010

HÁ DÚVIDAS?

Determinados verbos em língua portuguesa apresentam particularidades que exigem uma atenção maior de nossa parte. O verbo haver é um deles. Entre as muitas de suas significações, podemos encontrá-lo como sinônimo de “existir” ou “ocorrer”. Por isso, quando ouvimos alguém dizer “Há um desvio na pista para que a obra possa ser finalizada.” ou “Houve um engarrafamento na pista de acesso à Região dos Lagos”, o haver pode ser substituído, perfeitamente, por aquelas formas verbais: “Existe um desvio...” ou “Ocorreu um engarrafamento...”.
A particularidade a que me refiro se encontra especificamente nesse significado. No sentido de “existir” ou “ocorrer”, ele deve ficar sempre na 3ª pessoa do singular (na forma referente ao “ele”). Isso acontece por ser um verbo impessoal, ou seja, não tem sujeito, não se refere a nenhum ser (pessoa, animal, objeto ou acontecimento). Logo não precisa concordar com nenhum termo existente na frase.
Uma forma de percebermos isso mais claramente é compará-lo com seus próprios sinônimos “existir” e “ocorrer”, que são verbos pessoais, isto é, devem concordar com seu sujeito. Assim, se o termo a que se refere a ação estiver no singular, esses verbos ficam no singular: “Existe uma pessoa lá fora, querendo falar com você.”; “Ocorreu um acidente grave naquela estrada.”. Caso esse termo esteja no plural, os verbos vão para o plural também: “Existem várias pessoas lá fora, querendo falar com você.”; “Ocorreram muitos acidentes graves naquela estrada.”. Com o verbo haver, isso não se dá. Independentemente do termo que apareça na frase, ele fica somente na forma do singular: “Há uma pessoa lá fora,...”; “Há várias pessoas lá fora,...”; “Houve um acidente grave...”; “Houve muitos acidentes graves...”.
Esse uso – sempre no singular – vale para todos os tempos verbais (presente, passado e futuro). Sendo assim, não é correto empregá-lo na forma do plural no passado ou no futuro, como se vê por aí: “Haviam muitas pessoas no show.” ou “Houveram várias manifestações de desagrado durante a reunião.” ou “Haverão vários feriados neste segundo semestre.”. Como diz aquele famoso árbitro e comentarista esportivo, a regra é clara, e a repetimos: o verbo haver com sentido de “existir” ou “ocorrer” fica sempre no singular. Portanto a estrutura adequada é: “Havia muitas pessoas...”, “Houve várias manifestações...” e “Haverá vários feriados...”.
Espero que não haja mais dúvidas a esse respeito.

(Coluna “No quintal das palavras”. Artigo publicado no Lagos Jornal, Ano V, Região dos Lagos, sábado, 05-9-2009, p.4)

terça-feira, 4 de maio de 2010

VER, NO FUTURO.

O verbo ver apresenta uma irregularidade em sua conjugação, ou seja, ele não tem a mesma base (também chamada de “radical”) em todos os tempos (presente, passado e futuro). Comparando-o com “cantar”, é possível entender isso claramente: canto/cantas/canta (no presente), cantei/cantastes/cantou (no passado), cantarei/cantarás/cantará (no futuro). Para ver, temos: vejo/vês/vê (no presente), vi/vistes/viu (no passado), verei/verás/verá (no futuro). Podemos observar que, para o primeiro, a base é sempre a mesma – cant- – ao passo que, para o segundo, ela varia, de acordo com o tempo.
Mesmo com essa mudança, o falante consegue empregá-lo corretamente no dia a dia. Acontece, porém, que, geralmente, há uma confusão no futuro do subjuntivo. Futuro é fácil: tem relação com algo que vai acontecer. E o subjuntivo? Ele é um modo verbal utilizado para dar a ideia de dúvida, hipótese, possibilidade sobre uma ação; diferentemente do indicativo, que transmite a noção de certeza sobre o acontecimento. Quando digo “Eu sei isso.”, o verbo está no presente do indicativo, e há certeza sobre o fato de saber algo. Já em “Ele espera que eu saiba isso.”, a forma verbal se encontra no presente do subjuntivo, e existe uma dúvida quanto a esse saber. No futuro, temos: “Eu saberei o resultado do exame amanhã.”, e a ação é tida como certa. Em “Quando eu souber isso, lhe ensinarei.”, a ação expressa uma hipótese, algo possível de ocorrer.
O verbo ver, no futuro do subjuntivo, é conjugado da seguinte forma: vir, vires, vir, virmos, virdes e virem. Ao expressarmos a possibilidade ou a condição de ver alguém ou alguma coisa, devemos empregar uma dessas formas, de acordo com a situação. Por isso, a maneira correta de se falar ou escrever é: “Quando você vir o filme, vai entender o que estou falando.” ou “Se eu vir o repórter, darei seu recado.”
A princípio, parece estranho aos ouvidos, pois é comum se dizer “Quando você ver...” ou “Se eu ver...”. Essa construção, entretanto, não é adequada, uma vez que foge à conjugação original do verbo. Alguns acreditam que a forma “vir”, usada para a 1ª (eu) e a 3ª (ele) pessoa do singular, estaria associada, não ao verbo ver, mas ao vir (= “deslocar-se de algum lugar”). Ao se empregar o verbo vir no futuro do subjuntivo, teríamos: “Quando você vier aqui em casa, farei um almoço especial.” ou “Se eu vier amanhã a sua casa, trarei a encomenda.”
Em suma: o verbo ver tem conjugação específica no futuro do subjuntivo, que não pode ser confundida com a forma do verbo vir no infinitivo. Portanto, meu prezado leitor, quando você vir alguém com dúvidas sobre isso, repasse essa explicação. Agora, minha cara editora, se vier alguma pergunta para a redação do jornal acerca do tema, encaminhe-me, por favor.
(Coluna “No quintal das palavras”. Artigo publicado no Lagos Jornal, Ano V, nº 487, Cabo Frio, sábado, 29-8-2009, p.4)