domingo, 20 de junho de 2010

DEFEITOS DE CONJUGAÇÃO

Você já ouviu falar em verbo defectivo? Pois é, isso existe! Assim como as pessoas e os objetos, o verbo também pode apresentar defeito. Linguisticamente, essa afirmação significa que alguns verbos do Português não são conjugados em todas as pessoas (1ª, 2ª e 3ª do singular ou plural), tempos (presente, passado e futuro) ou modos (indicativo, subjuntivo e imperativo). De maneira geral, essa defectibilidade ocorre por questões de eufonia (produção de som agradável ao ouvido) ou de sua própria significação.
Como exemplo relacionado à eufonia, podemos citar o verbo computar. Para garantir que não haja efeitos desagradáveis aos nossos ouvidos, ele não é usado nas três primeiras pessoas do presente do indicativo. Ou seja, não existem as formas “eu computo”, “tu computas” ou “ele computa”. Diante de uma necessidade de fazer referência a essa ação, temos duas opções: ou trocamos o verbo por um sinônimo ou mudamos a estrutura da frase. Assim, diríamos: “Em todas as eleições, eu faço o cômputo dos votos” ou “... conto/calculo os votos” ou “... tenho a responsabilidade de computar os votos”.
No que diz respeito à significação, temos o exemplo dos verbos que designam vozes de animais. Latir é um deles. Essa forma verbal só pode ser conjugada na 3ª pessoa, do singular ou plural, uma vez que se trata de uma ação característica de um cão, isto é, somente o animal (= ele) produz esse som. Sendo assim, não há emprego do verbo para indicar o falante (= eu) ou o ouvinte (= tu) como agentes dessa ação. Portanto eu não “lato”, tu não “lates”, nós não “latimos” e vós não “latis” – já que essas formas não existem! –, mas ele late e eles latem.
É claro que podemos encontrar seu uso no mundo da ficção – em que um cão seja personagem de uma história e possa referir-se ao seu próprio ato de latir – ou, raramente, com o verbo no sentido figurado – quando foge ao seu significado original, como, por exemplo, em “Com muita raiva, eu lati aquelas duras palavras.”. Além disso, o efeito sonoro também interfere na conjugação do verbo. Ele não pode ser usado nas formas em que o “t” seria seguido de “o” (como em “eu lato”, ainda que estejamos no mundo ficcional) ou “a” (mesmo na 3ª pessoa). Por isso, não espere que o seu cachorro “lata” para avisar a chegada de alguém. Como essa forma não pode ser empregada, substitua-a ou mude a estrutura da frase: “Eu espero que meu cachorro ladre (ou dê latidos) para avisar a presença de estranhos no portão.”.
Como podemos observar, defeito é o que não falta nos verbos. Temos alguns casos que, de modo geral, não são conhecidos e tornam o emprego de algumas formas inadequado. Conhecer os verbos defectivos deve ser uma virtude dos bons usuários da língua portuguesa! Então, no próximo artigo, continuaremos com eles.

(Coluna “No quintal das palavras”. Artigo publicado no Lagos Jornal, Ano V, nº 489, Região dos Lagos, sábado, 12-9-2009, p.4)