quinta-feira, 12 de novembro de 2009

GERUNDISMO:CASOS E ACASOS

Quando contamos um fato, fazemos o uso do verbo para expressar as ações, que podem representar o tempo presente (“Eu leio o jornal.”), o passado (“Eu li o jornal.”) ou o futuro (“Eu lerei o jornal.”). Há vezes, porém, em que queremos nos referir a algo que acontece no momento da fala, ou seja, quando a ação está em processo. Para isso, empregamos a forma do gerúndio (“Estou lendo o jornal.”).

Atualmente, o emprego do gerúndio tem sido considerado tão problemático, que boa parte dos estudiosos da língua portuguesa sugere que não seja usado, a fim de não se construírem frases incoerentes. Isso se deve ao fato de os falantes utilizarem-no repetida e inadequadamente em suas frases. É comum, numa sentença, encontrarmos uma sequência de ações expressas pelo gerúndio, tornando-a, por vezes, pouco clara: “O presidente da empresa declarou que não haverá demissões na empresa, mostrando a planilha de custos, fazendo uma previsão de orçamento para os próximos meses, prometendo pagar os salários em dia, mudando o quadro de desânimo, levando, assim, tranquilidade aos funcionários.” Ufa! Quanta coisa foi feita ao mesmo tempo! Será que todas essas ações poderiam ser realizadas realmente de forma simultânea? Vejamos: é possível, durante uma declaração (uma fala), mostrar uma planilha, fazer uma previsão e prometer algo. Entretanto a mudança no quadro de ânimo se dá após tudo isso, e não ao mesmo tempo; é preciso, primeiro, ouvir a declaração para, depois do que se ouviu, mudar o estado. O mesmo acontece com a última ação: levar tranquilidade. Ela é estágio final e se processa posteriormente a todas as ações antecedentes. Sendo assim, o uso de “mudando” e “levando” foi feito de modo incorreto.

Outro caso polêmico em relação ao uso do gerúndio é quando vem antecedido da construção “vai estar”, como, por exemplo: “Na próxima semana, vou estar pagando a dívida do banco.”; “Você vai estar recebendo o livro amanhã.”; “Pode deixar que, na semana que vem, vou estar dando uma resposta a você.” O emprego dessa construção, conhecida como “gerundismo”, não é adequado, uma vez que a estrutura indica ação duradoura ou contínua. No primeiro caso, a pessoa passaria a semana inteira pagando a mesma dívida (Bom para quem recebe!); no segundo, o livro seria entregue várias vezes à mesma pessoa (Quantos livros chegariam num dia?); no terceiro, a resposta seria dada durante toda a semana (Nossa! Que resposta longa!).

Tal estrutura, porém, é legítima na língua portuguesa, quando usada com a idéia de futuro, se representar algo que será feito ao mesmo tempo em que outro. Exemplo: “À noite, quando você estiver dormindo, vou estar trabalhando para adiantar o serviço.” Aqui, pode-se perceber que as ações serão realizadas simultaneamente: no mesmo período de tempo, um dorme e o outro trabalha.

Quanto ao aspecto gramatical é isso. O que deve nos preocupar, todavia, é o valor cultural que o gerundismo assumiu na língua: a falta de compromisso em relação a uma promessa. Na realidade, quando se diz “Vamos estar entregando sua encomenda da próxima semana.”, tem-se a promessa da entrega, mas não há um comprometimento quanto à data específica de fazê-la. Esse gerundismo, de forma nenhuma, deve ser aceito, tanto do ponto de vista da estrutura gramatical (a ação não é contínua) quanto do significado que confere à informação (não há garantias de que a encomenda chegará no período mencionado).

(Coluna “No quintal das palavras”. Artigo publicado no Lagos Jornal, Ano V, nº 465, Região dos Lagos, quinta-feira, 02-7-2009, p.4)

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