quarta-feira, 23 de setembro de 2009

VALE A PENA VER DE NOVO?

Depois de 18 anos de ampla discussão entre os países que têm o português como língua oficial, o Brasil adotou o novo Acordo Ortográfico, em vigor desde janeiro deste ano. Nós, brasileiros, aceitamos as mudanças propostas (ainda que nem todos concordem com elas) e começamos o processo de nos familiarizar com a nova grafia de determinadas palavras. Para alterar o vocabulário brasileiro em 0,43%, alguns empreendimentos foram feitos: a) o Presidente da República assinou decretos sobre a adoção e a implementação da reforma nos documentos oficiais e na mídia; b) já a partir do final de 2008, os meios de comunicação passaram a veicular, resumidamente, as novas regras; b) no mês de março de 2009, a Academia Brasileira de Letras, após seis meses de muitas análises e vários debates, lançou o novo “Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa” – mais conhecido como VOLP entre os estudiosos da língua –, indicando a grafia oficial das palavras, com mais de 900 páginas, incluindo os verbetes em ordem alfabética, um lista de estrangeirismos, o texto integral do Acordo Ortográfico, com todos os anexos, relatórios e justificativas, entre outros; c) editoras fizeram a revisão dos textos de suas publicações, principalmente dos livros didáticos; d) professores saíram em busca de atualização a respeito do tema para poderem ensinar, com mais segurança, segundo essas novas regras. Enfim, houve uma mobilização geral no intuito nos adequarmos às mudanças estabelecidas pela reforma ortográfica.

Enquanto isso, em Portugal, a polêmica continuou, e o Acordo que altera o vocabulário português em 1,42%, mesmo oficializado mas ainda sem prazo para entrar em vigor, enfrenta resistência. No final do mês passado, chegou ao Parlamento uma petição assinada por 113.206 portugueses (cujo número mínimo para aceitação são 5 mil assinaturas), com o pedido de revisão de vários pontos da reforma ortográfica. Eles discordam da justificativa de que a reforma simplificaria a grafia, ajudando a combater o analfabetismo e a impor o português como língua internacional, uma vez que as mudanças propostas não têm base científica e linguística. Sua aceitação, portanto, poderá levar a língua portuguesa ao caos ortográfico.

Segundo os portugueses, algumas alterações ortográficas são confusas, visto que perdem o elo etimológico (relação com a origem da palavra), em determinados casos, a única explicação para tal representação na escrita. É o caso da possibilidade da eliminação de algumas consoantes “mudas”, gerada pela proposta da dupla grafia no novo Acordo. Por exemplo, para eles, antes da reforma, a palavra “aspecto” apresentava somente essa grafia, com a pronúncia opcional do “c”. Agora, há a dupla grafia – “aspecto” e “aspeto” – e a dupla pronúncia. Já em “acção”, o “c” não era pronunciado, apesar de existir na escrita. Com o Acordo, a grafia não apresenta mais o “c” – “ação”. A argumentação se fixa no seguinte questionamento: por que eliminar em alguns casos, e não em outros? Em resumo: o abandono da etimologia das palavras demonstra a falta de coerência interna nos critérios de mudança.

O fato é que, dos países lusófonos (de língua portuguesa), somente Brasil, Cabo Verde, Portugal e São Tomé aprovaram o acordo. Apenas o Brasil deu início, oficialmente, ao período de transição para implementação das regras propostas pela nova reforma ortográfica. Portanto, depois de pensarmos que a assinatura do Acordo encerrava as discussões oficiais sobre o tema, a polêmica foi reaberta. Resta-nos acompanhar o desenrolar dessa novela, em que os autores têm três opções para o último capítulo: 1) depois de tantas controvérsias, revogar o Acordo atual e retornar ao de 1971; 2) manter o atual, mesmo diante das discordâncias; 3)propor uma outra reforma ortográfica, que, profunda e verdadeiramente, unifique a língua portuguesa. Portugal, como um dos protagonistas, pelo visto, atua no sentido da primeira opção, e o Brasil, como o outro, já decidiu pela segunda.

(Coluna “No quintal das palavras”. Artigo publicado no Lagos Jornal, Ano V, nº 445, Região dos Lagos, quinta-feira, 4-6-2009, p.4)

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